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Publicação sobre O LIVRO DO DESASSOSSEGO

Texto de uma aluna de 12º ano (turma 9) sobre O LIVRO DO DESASSOSSEGO

 

Bernardo Soares e o Livro do Desassossego

Bernardo Soares é um semi-heterónimo de Fernando Pessoa. “Semi”, porque é o mais parecido com o ortónimo, como afirma o seu próprio criador: “não sendo a personalidade a minha, é não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afetividade.”.

Este “quase eu” de Fernando Pessoa viveu com ele vinte anos, desde que Pessoa tinha vinte e cinco anos até à sua morte. Aparece quando o poeta se encontra cansado ou sonolento, escrevendo na sombra doentia e obsessivamente um livro impossível, não terminado até ao dia de hoje, o Livro do Desassossego.

Publicado em 1982, quarenta e sete anos após a morte de Fernando Pessoa, o Livro do Desassossego é um livro biográfico, com os pensamentos de um dos maiores autores do século XX. Não tem início, nem meio, nem fim. É uma prosa poética, composta por quinhentos e vinte fragmentos, que contrariam as regras do romance, ou quaisquer outras. Por isso, é extremamente inovador.

O imaginário urbano encontra-se presente nesta obra, através da descrição física e humana da cidade de Lisboa, local de trabalho do escritor, que desempenha um papel fundamental na vida dele. A necessidade de se libertar do ambiente claustrofóbico leva o poeta a deambular pelas ruas da cidade, atitude comum a Cesário Verde.

O quotidiano está também presente, com a fixação de instantâneos do dia a dia, descrevendo espaços e pessoas, com quem se cruza na azáfama das ruas. A vida diária do “eu” é marcada pelo fracasso e pela angústia, por estar confinada às ruas da baixa lisboeta.

A deambulação e o sonho presentificam-se em Bernardo Soares, quando percorre as ruas de Lisboa e regista as perceções que a cidade oferece, como fazia Cesário Verde. Em alguns casos, é a incursão pelo campo que suscita a descrição daquilo que vê. A deambulação permite-lhe registar diferentes elementos do real. Esta relação com o real leva-o ao seu desassossego, dá lugar à insatisfação e ao tédio, levando-o, consequentemente, ao sonho.

Neste livro, encontramos muitas vezes marcas da perceção e a transfiguração poética do real, que permite ao sujeito apreender o que o rodeia e a extrapolá-lo para o seu interior. O “eu” capta o real, através dos sentidos, como a visão ou a audição, e decompõe analiticamente as sensações provocadas. O sujeito transpõe o real e transfigura-o em imagens, na sua imaginação, criando um “mundo interior” diferente do exterior.

E na realidade onírica que Bernardo Soares encontra a atenuação das suas dores e a concretização da sua felicidade. Quando se apercebe de que aquilo que vivencia nos sonhos não existe realmente, é invadido por uma nostalgia imensa, vivendo totalmente arredado da realidade, pertencendo apenas ao sonho.

A natureza desta obra é fragmentária, permitindo ao leitor construir a sua própria narrativa, sem seguir uma ordem cronológica. Inicialmente, começou por ser uma recolha de ensaios e de textos poéticos em prosa, assinalados pelo próprio Pessoa. Assim, os leitores podem ler, como quiserem, os 520 fragmentos, como num jogo de cartas, optando pela sequência que entenderem. Em suma, como testemunha de um Fernando Pessoa desconhecido, o Livro do Desassossego inaugurou um novo conceito de narrativa sem linearidade, que surpreende qualquer leitor.

O “desassossego”, que é o fio condutor do livro, é a impossibilidade de encontrar o repouso, a paz de alma e o conforto intelectual ou espiritual. O livro é provocante e inquietante. Por isso, faz-nos pensar, por a mão na cabeça e sonhar ao mesmo tempo. Também chamado de “enciclopédia da decadência” e “livro do desencanto”, esta obra é um verdadeiro labirinto da alma.

 

INÊS CRAVO 12º 9ª

 

  • Última atualização em .